O Colaborões de hoje vai contar sobre as férias frustadas e a dor de cabeça na terra do U2. A história de hoje aconteceu em Dublin, na Irlanda, e quem vai contar pra gente vai ser a colaborona Amanda Malucelli (@amandamalucelli), leitora fiel do Viajão, publicitária, apreciadora da moda e de cinema e que também é uma tremenda viajona! Segurem seus documentos!

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Dublin. Eu não sabia quase nada sobre este lugar até que tal cia. aérea, Ryanair,  me deu a cidade como única opção viável para ir de Londres a Liverpool – sim, eu teria que entrar e sair da Inglaterra para aproveitar as tarifas de $0.00 euros! Hoje “Ryanair” pra mim é sinonimo de “furada” e Dublin não fica muito atrás. Desculpem a imparcialidade, mas os viajões que tiverem boas lembranças de lá podem defender a vontade…

No começo foi tudo bem, até o simpático furgão Paddy Wagon, que tivemos que esperar duas horas para nos levar ao hostel, e que, mais tarde, descobri que se tratava de um trocadilho com o antigo veículo que levava prisioneiros (Vocês vão entender como isso fez sentido!!!).

Enfim, foram dois dias tranquilos e com tempo de sobra pra ver tudo que a cidade da Guinness, do U2 e de Oscar Wilde oferecia. Entre o Temple Bar, Trinity College, Dublin Castle, Christ Church, portas coloridas, pubs com direito a balançar os canecos no ar, velhos bêbados em toda esquina e atendentes mal encarados de lojas de conveniência, sobrou até tempo para fazer compras. O nome da loja é sugestivo, “Penney’s”, mas as mulheres deliram mesmo é com os preços, que batem qualquer Zara e H&M. Foi lá que minha desgraça aconteceu, e é aí que a aventura começa pra vocês. Entrei no provador carregada, saí feliz da vida e, duas araras pra frente, senti falta de alguma coisa que estava presa ao meu corpo: meu porta documentos!


Voltei correndo pro provador, e nada! Eu não queria acreditar, por quase três horas eu procurava entre araras transbordando e consumidoras frenéticas, mas não tinha outra opção: “PERDI MEU PASSAPORTE!” (Além de cartões e parte do meu dinheiro). Nem precisa ser viajão pra imaginar a dor de cabeça que isso representa… só de imaginar a burocracia que seria pra eu viajar dali a praticamente 24h… Nesse meio tempo que fiquei procurando, encontrei Nicole empolgada com suas compras e contei o que tinha acontecido, ela se encarregou de ligar pra minha mãe-agente de viagens.  A única solução era ir à delegacia.

Pra compensar o clima hostil da delegacia naquela noite, no dia seguinte conseguimos encontrar uma ajuda que caiu dos céus (não sem antes andarmos a cidade toda para encontrar): o ITAS – Irish Tourist Assistance Service (anote isso!). Pelo menos eu nunca ouvi falar de uma cidade que tivessem voluntários 24h para ajudar turistas roubados! Vai ver que aquela não era então a menos indicada pra perder os documentos, só a mais esquisita! Bernard e os outros voluntários realmente fazem diferença entre irlandeses hostis de herança vikkin, são mais da turma dos conservadores católicos bonzinhos. Aí você pode pensar que meu drama tinha sido resolvido, mas ainda tem chão pela frente…

Era páscoa, a embaixada do Brasil estava de folga e, claro, que o telefone emergencial também. Diante disso, nada a afazer a não ser esperar de braços cruzados 4 dias inteiros! O ITAS me arranjou hospedagem grátis no Issac’s Hostel, um dos mais conhecidos lá. Eles me receberam bem, mas não puderam evitar os olhares de peninha como você assistindo o filme “Terminal” com Tom Hanks, (e conforme a estadia ia se estendendo, como vocês vão ver, começaram a me odiar). Concordamos que a Nicole, me deixando em boas mãos, não precisava perder suas passagens para Livepool e Barcelona, então ela estava liberada pra passar seu aniversário sozinha na terra dos Beatles!

Fiquei totalmente sozinha e, sinceramente, não tava muito no clima de socializar com o pessoal do hostel… Afinal, todos estavam de férias, cozinhando felizes (eles adoram gastar seu tempo no hostel cozinhando, né?) e eu era o Tom Hanks por ali, vendo a cada dia meu quarto de 8 pessoas ser preenchido por histórias diferentes, a minha sempre parecia a pior! No fim, depois de um primeiro momento reclusa e chorosa, andei muito pela cidade e também acabei conhecendo brasileiros (aliás eles são praga em qualquer lugar), espanhóis, sul-africanos, italianos, e até um argentino que ficou tentando me embebedar e me assediou na véspera de eu ir embora, mas calma, isso está a dias de acontecer ainda…

Finalmente chegou o dia em que a embaixada abriria as portas e eu já estava lá antes mesmo do Cônsul! Pra resumir isso que já está muito longo, agora vem a parte burocrática da história… entre fazer passaporte novo, conversas diplomáticas e idas e vindas (de ônibus e na chuva) entre a embaixada brasileira e espanhola (afinal eu queria ter certeza que voltaria pra Espanha, onde estudava, sem problemas por não ter meu visto), sempre com a ajuda dos voluntários do ITAS, meus pais e minha madrinha me mandando dinheiro, se estenderam mais  4 intermináveis dias até que eu tinha em mãos um novo passaporte (pela foto parecia que eu tinha sido presa) e uma carta da embaixada espanhola avisando que um dia já tinha  existido um visto ali! UFA!

Era uma quinta-feira e agora era só esperar pelo vôo semanal Dublin-Sevilla no sábado, mas como se eu já não tivesse bem cansada e não tivesse sido assediada por um argentino pentelho na véspera, a bendita Ryanair me omitiu uma informação, de onde conseguir o famoso carimbo “Check Visa” para não-europeus, e na hora de embarcar me barraram! (Atenção viajões que insistirem em viajar de ryanair apesar dos meus conselhos, não esqueçam de carimbar o seu check visa)

Eu só não morri ali porque eu bem conheço a lei de Murphy, mas o brasileiro com pé quebrado que sofreu o mesmo golpe não estava tão acostumado com essas “zicas”, saiu mancando e esbravejando em português pelo aeroporto… só quando contei um pedaço da minha história ele se acalmou, e saiu até conformado de lá…


Tive que comprar em outra companhia, AerLingus, uma passagem (bem mais cara) pra outra cidade, há 200Km da minha, mas desde que chegasse a Espanha, tava em casa… Mais 6 horas de espera e embarquei para Málaga. Cheguei umas 10h da noite e o máximo que pude ver da cidade em que Picasso nasceu foi uma rodoviária digna de país de terceiro mundo, eu teria que esperar pelo meu ônibus as 3h da manhã!
A essa altura minhas coisas já estavam num saco de lixo pra facilitar o carregameto (essa coisa de mochila não é demais pra mim).  Junto comigo uma polonesa que estava voltando pra casa de mala e cuia depois de terminar com o namorado (imaginem aquela gordinha polaca com cara de emburrada sentada em sua mala gigante), além de uma espanhola simpática que, só no meio da conversa, percebi que era uma garota de programa. Uma garoa de programa, aliás, bem acostumada com a violência das noites, ficava me dando conselhos para não confiar em ninguém e tomar cuidado com tudo… coitada, mal sabia que o treinamento tinha sido intenso nos últimos dias…

Finalmente as 3h peguei o ônibus e as 6h da manhã cheguei na minha casinha! Meus amigos dormindo tranqüilos e eu chegando da guerra… soltei o saco de lixo no chão, falei: “Nicole, consegui, to viva!” e caí na cama. Nicole dormindo respondeu: “hmmm, que bom, deita aí”.


Bom viajões e viajonas, essa história toda foi para lembrar que nunca estamos imunes de que alguma coisa, ou tudo, dê errado num mochilão. Então agarrem seus passaportes e estejam preparados!  Bon Voyage!

PS.: Segundo o site do ITAS “96% said the help provided by the service was sufficient for their needs”, realmente, mas também diz que “96% of victimised tourists would still recommend Ireland as a holiday destination”, isso eu já não posso dizer… mas também, com a minha sorte, é claro que eu me enquadro nas exceções!